Stanley Kubrick

A maioria dos diretores nunca resolveram satisfatoriamente o dilema de ser artista e precisar ser popular”.

Interna. Noite. Um palácio nas redondezas de Londres. Estamos na sala. Pé direito alto, móveis em estilo neoclássico complementam o ambiente, a cor marrom predomina, a câmera do alto focaliza todo o recinto. O silêncio impera, e vai sendo, aos poucos, quebrado pela inconfundível 5a Sinfonia de Beethoven.

Às vezes uma imagem vale mais que mil palavras, mas às vezes um nome vale mais que mil imagens. No caso de Stanley Kubrick, as duas sentenças lhe fazem jus. Kubrick é imagem e seu nome é uma história cinematográfica de sucesso.

Nascido em 26 de julho de 1928, na cidade de Nova Iorque, foi criado no Bronx. Filho de um físico, Kubrick nunca foi bom estudante. Ensinado por seu pai, aprendeu a jogar xadrez e foi incentivado a usar sua criatividade desde cedo. Perfeccionista, insone, detalhista e obcecado, o cinema veio complementar duas de suas paixões, a fotografia e o som. Em sua filmografia é fácil destacar sua obsessão pela música clássica, que usa como “pano de fundo fixo” para suas belíssimas imagens.

Sua fixação pela imagem tem uma explicação. Presenteado pelo pai com uma máquina fotográfica, Stanley passou a adolescência buscando uma carreira como fotografo profissional, o que viria a conseguir na revista nova iorquina Look. Muitas cenas da sua carreira percebem-se a forte influência da fotografia. São cenas em que a câmera permanece imóvel focalizando todo o ambiente, ou o que ele deseja mostrar com o foco gradual.

Ao trocar as câmeras fotográficas por cinematográficas, Kubrick passou também a explorar a tecnologia e usá-la como aliada para suas criações de cenas. Em Barry Lyndon (1975), meu filme preferido do cineasta, ele usou, e ajudou a desenvolver, uma nova câmera capaz de filmar a noite sem o uso de luz artificial, só usando a luz de velas da cena. Fã do diretor alemão Max Ophüls, que ajudou na elaboração dos trilhos de câmera, Stanley sempre buscou inovações que pudessem lhe dar mais liberdade de criação as suas imagens. Uma característica de sua filmografia está na câmera fixa, num local estrategicamente escolhido, e a cena é toda captada através dela.

Passeou por muitos gêneros do cinema, filmes de assalto em O Grande Golpe (1956), épico em Spartacus (1960), drama em Lolita (1962), ficção científica em 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), crítica social em Laranja Mecânica (1971), filmes de época em Barry Lyndon (1975), de terror em O Iluminado (1980), de guerra em Nascido para Matar (1987) e romance em De Olhos Bem Fechados (1999).

Apaixonado pela literatura, Kubrick buscava inspirações nos livros que lia para seus filmes, muitos deles adaptações, que ele mesmo roteirizava. Mas, suas mudanças e perfeccionismo acabaram por deixar todos os escritores, de onde suas obras foram retiradas, descontentes com o resultado final. É notória também sua admiração pelo trabalho de Woody Allen e David Lynch, Allen inclusive foi chamado para interpretar Victor Ziegler, que acabou ficando com outro diretor, Sydney Pollack. Diziam que o cineasta costumava ligar de madrugada para os atores a fim de discutir cenas que filmariam no dia seguinte.

Morreu, de causas naturais, na Inglaterra, país que adotou depois da falta de liberdade que a industria do cinema norte-americana lhe impôs. Planejava, além do belo AI – Inteligência Artificial (2001) de Steven Spielberg, que ocupou a cadeira após a morte do cineasta e lhe fez uma homenagem digna, filmaria ainda a história de Napoleão Bonaparte, outra obsessão Kubrickiniana que ficamos órfãos.

Como parte da revisita a sua obra, o próximo post trará algumas fotos feitas pelo cineasta e publicadas num livro recém lançado, Drama & Shadows.

Stanley Kubrick – 26 de julho de 1928 / 7 de março de 1999.

Comentários

Marcus Vinícius disse…
Kubrick é o cara. Belo texto e aguardo as fotos.
Kamila disse…
Cassiano, adorei o texto. É difícil resumir um homem e uma obra tão importante quanto a do Kubrick em poucas linhas, mas você conseguiu muito bem.

Tive a sorte de poder assistir à maioria dos filmes dele. Na maioria das vezes, os achava difíceis, e precisava de tempo para poder compreender o que ele queria dizer, o que estava por trás daquilo tudo. Acho que o Kubrick é um daqueles poucos diretores que podemos chamar de completo, pois ele tinha sempre uma noção muito clara do que ele queria mostrar.

E que bom poder perceber no seu texto que você gosta de “A.I. – Inteligência Artificial”. Eu pensava que era a única que achava que esse filme era uma das coisas mais belas que eu já vi em termos de cinema.
Anônimo disse…
Vc não está sozinha, Kamila! Em SP eu sou o ÚNICO que ama A.I. - INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Já apanhei muito por isso, mas ainda acho o filme maravilhoso e não desisto!

E Cassiano, UAU! Kubrick jamais errou! Gostei particularmente de seu comentário sobre BARRY LYNDON, que é maravilhoso, claro. Gostei da sua menção à importância daquela fotografia (que considero o melhor trabalho de fotografia do cinema em cenas internas - em cenas externas, fico com LAWRENCE DA ARÁBIA). E as cenas de BARRY LYNDON parecem quadros (em particular, aquela em que o Lyndon está bêbado ao lado de outros boêmios e tem um quadro ao fundo que parece exatamente com esse momento). A câmera fixa do Kubrick captando os movimentos com aquela música ao fundo é algo assustador!

Ainda assim. meus favoritos são: 2001 e LARANJA MECÂNICA.

Vcs acham que 2001 é a maior ficção científica da História?

Abs! Parabéns pelo ótimo post!
Anônimo disse…
Ah! Essa fixação pela imagem utilizada para contar uma história é a minha preferência dentro do cinema. Isso ajuda a explicar alguns comentários que fiz a respeito de outros filmes que amo e odeio. Embora, ninguém faça isso hj como Kubrick, claro.

Abs!
Museu do Cinema disse…
Obrigado Túlio, realmente vc tem razão, e acho que por isso ele brigou com todos os escritores cujo filmes ele adaptou.

Marcus, provavelmente amanhã sai o post das fotos.
Museu do Cinema disse…
Kamila, obrigado, eu já achava o contrário, pensei que fosse um filme bem quisto. Mas vc resumiu muito bem. Eu acho o filme uma homenagem da por... para Kubrick.

Otávio, muito obrigado. Sou suspeito para falar de Barry Lyndon, pq apesar de não gostar muito de filmes de época, esse é o meu filme preferido do cineasta e um dos melhores que já. Kubrick é um poço para comentários. Nenhum filme dele passa despercebido e gera muita conversa. É minha proposta com esse post.
Kamila disse…
Que bom, então, que conheço mais duas pessoas que gostam de "A.I.".
Museu do Cinema disse…
Ah Kamila, o filme foi um sucesso! ou estou enganado?
Kamila disse…
O filme foi um sucesso de bilheteria, isso é verdade. Mas, são poucos o que saíram das salas de cinema gostando do filme.
Museu do Cinema disse…
Eu não lembro dessas repercussões todas, mas como vc é fã do filme acredito em vc. Tem filmes que gostamos tanto que as críticas só aumentam nosso prazer em revê-lo sempre. Como já disse aqui, eu acho uma p... homenagem. Foi incrivel como Spielberg conseguiu fazer algumas cenas à semelhança do Kubrick, dizem que eles conversaram sobre o roteiro quando Stanley ainda era vivo, confesso que não lembro direito.
Kamila disse…
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Kamila disse…
Cassiano, se não me engano, era um grande sonho do Kubrick fazer "A.I.", mas, como a tecnologia naquela época era defasada, foi um sonho que foi sendo adiado. Quando o Spielberg estourou, o Kubrick passou a discutir o projeto com ele, pois acreditava que o Spielberg, por estar mais familiarizado com a nova tecnologia, lhe seria de grande ajuda. Após a morte do Kubrick, a viúva dele não pensou duas vezes e deu todo o trabalho de criação do Kubrick para o Spielberg, pois ele seria perfeito para dirigir o filme.

Se eu também não me engano, o Spielberg falou que o Kubrick tinha storyboards completos, todo o visual do filme pronto. O trabalho que ele teve foi só colocar aquela visão na tela.

QUEM NÃO ASSISTIU AO FILME, POR FAVOR NÃO LEIA O QUE COLOCAREI ABAIXO:



E antes que você pense que eu sou uma fã muito apaixonada de "A.I", meu único problema com o filme é o final. Se eu fosse o Spielberg (que pretensão!), tinha terminado naquela cena em que o personagem do Haley Joel Osment está olhando para a fada azul. Ali seria o fim perfeito, poético, um final bem Spielberg. Mas, como ele quis ser mais Kubrick, ou talvez ele quisesse ser fiel ao que o mestre colocou no papel, ele prolongou um pouco mais seu filme.
Marcus Vinícius disse…
Concordo com a Kamila, se ele terminasse naquele momento seria perfeito. Baita filme.
Anônimo disse…
Tem razão, Kamila. Aquele seria o final ideal. Todo mundo pensa que o filme acaba ali... de repente, ele continua... mas ainda assim, considero A.I. um dos grandes filmes dessa década.

Abs a todos!
Museu do Cinema disse…
Nãoooooooo, o final é perfeito! é Kubrickiniano, é feito para nos fazer pensar e interpretar!!!

Kamila, quantas informações! O post estará em ótimas mãos!
Kamila disse…
Cassiano, foi justamente o que eu disse. SE tivesse terminado naquela parte que citei, o filme seria mais Spielberg, mas a opção dele foi ser mais Kubrick. E eu o respeito por fazer isso.

Pode deixar que farei o possível para fazer jus a este maravilhoso espaço que você me cede. ;-)

Otávio, "A.I.", para mim, não é só um dos melhores filmes da década; é um dos melhores filmes de todos os tempos. Sem exageros e sem medo de ser criticada.
Museu do Cinema disse…
Kamila, não tenho dúvidas nenhuma que vc fará algo especial, lendo seus comentários noto o quanto gosta desse filme, fico satisfeito em ter feito o convite.
Ramon disse…
E o Dr. Fantástico (Dr. Strangelove)?
Ele merecia umas linhas nessa resenha do Kubrick, hein!?
Para mim é um dos melhores dele. Mesmo que ele só tenha melhores.
Museu do Cinema disse…
Com certeza, o problema é que não vi o filme e não encontrei uma cópia para ver, pretendo faze-lo um dia, mas, como se expressou fã, te convido a resenhar e eu publico aqui e atualizo Kubrick.
Ramon disse…
Agradeço a oportunidade, mas vi o filme há algum tempo, e não gosto de comentar sem que as coisas estejam frescas na memória.
Bom, de qualquer forma estou tentando conseguir o filme para o colaborador Rogério (Bombaata) do blog Cinema em Casa.
Quando conseguir, vou revê-lo, aí posso fazer um post, caso ainda não o tenhas feito.
Museu do Cinema disse…
Combinado Ramon, e vc tá coberto de razão, a mémoria não é uma grande aliada nesses casos.